O novo filme do Joker é daqueles que levamos para casa, dormimos com ele e acordamos com ele. Ou melhor, ele é que vai para casa connosco, dorme e acorda connosco. Vou tentar não dar spoilers.
A crítica divide-se entre extremos, mas é compreensível. É um filme pesado, denso, dark, perturbador, já explico em poucas palavras porquê. A interpretação de Joaquin Phoenix é genial, a banda sonora é de outro mundo e a fotografia em todos os aspetos é perfeita. O filme prende do início até ao fim, há críticos que apontam repetitividade e excesso em algumas cenas, mas acho que esse excesso funciona bem na medida em que nos quer fazer infrutiferamente avançar naquilo que é perturbador mas não pode ser evitado, faz parte porque é a realidade.
E esse é um dos pontos que podemos sentir até à nossa alma: a realidade crua e fria da natureza humana e da sociedade. O filme é niilista, existencialista, é uma espiral descendente e assustadora do caos, tanto de Joker quanto de Gotham, tanto do indivíduo quanto do coletivo.
Joker, Arthur Fleck, no início cuida exaustivamente da mãe, tem um trabalho como palhaço, mas aquilo que era uma estabilidade a caminhar sob a corda bamba, torna-se gradativamente numa queda vertiginosa de circunstâncias aliadas às perturbações mentais já presentes que terminam com ações hediondas destituídas de qualquer senso de certo e errado, de tristeza ou remorso. E isto reconhecemos no último Joker que tivemos em “The Dark Knight”. (Não vou dar detalhes para não dar spoiler).
A própria Gotham já no início não está bem, mas deterioria-se a uma velocidade vertiginosa também e Joker acaba por ser o símbolo que se torna inspiração para a maldade na cidade. Ao mesmo tempo podemos dizer que mesmo daqueles que esperávamos alguma bondade não encontramos. E este é o ponto perturbador do filme: não existe bondade no filme, não existe esperança, não há beleza, não há um herói, não há redenção. Não há um motivo pela qual ter uma cara feliz (“Put on a happy face”, frase que surge no filme), não há motivo pelo qual ser Happy (apelido que a mãe de Joker lhe dá).
Temos um vilão que cria empatia nos habitantes revoltados com o sistema presente em Gotham e cria empatia com os espectadores da sala de cinema. O contexto, as circunstâncias, a educação levam Joker a se tornar quem é, não sabemos o que sentir quanto a Joker, a relativização do mal que ele apregoa é o que a personagem e a sua história e contexto nos fazem sentir em relação a ele. Somos sedutora e subtilmente levados a entrar na mente de Joker.
A única ponta, quase invisível, de esperança e redenção que surge no filme é o pequeno Bruce Wayne (futuro Batman), a personagem em volta de quem, em escassos minutos, é apresentada inocência. A esperança só é associada a ele porque temos noção de em quem ele se tornará, caso contrário passar-nos-ia completamente ao lado.
Este filme não retrata a vitória do bem contra o mal, nem sequer a luta existente entre eles, mas o mal como um beco sem saída, onde todos são vítimas e perpetradores do mal. E de facto essa é a triste e crua realidade da humanidade sem um Redentor. É por isso que eu não tenho problema com este tipo de filmes, muito pelo contrário, é uma apologia da Depravação Radical, embora creia na Graça Comum, na imagem de Deus no homem e na transformação que o Herói dos heróis pode produzir no indivíduo e no coletivo, mas esse é exatamente o ponto: sem uma intervenção externa da Graça Comum e da Graça Salvífica todos somos Joker, todos somos Gotham e nem sequer há noção de certo e errado, não há absolutos, o mal e o bem são relativizados, o mal é um total beco sem saída, todos se tornam vítimas e perpetradores do mal.
Artisticamente e filosoficamente o filme é excelente, por retratar esta realidade tão bem. Podia ter diálogos melhores, mas posso dizer que é um filme genial. É um filme genialmente feio, retrata coisas feias e faz-nos sentir coisas feias, mas isso não é necessariamente mau, pelo contrário, é curativo, pois leva-nos ao anseio por beleza, por esperança, por salvação, por redenção, por paz, por harmonia, por bondade e esse é o caminho que nos leva à fonte da beleza, esperança, salvação, redenção, paz, harmonia e bondade – o Deus Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo, que nos pode tirar do beco sem saída do mal, aquele que de facto coloca em nós um rosto genuinamente feliz.
Por: Joel Bueche Lopes
Esse texto foi originalmente compartilhado pelo autor em seu perfil no Facebook.